domingo, 13 de julho de 2008

A ascensão de Mussolini e do Fascismo italiano



Antes de qualquer análise e ou conceituação acerca do fascismo italiano, deve-se ter em conta como premissa, a sua problemática histórica. É possível notarmos que nas duas últimas décadas e com o conseqüente avanço da historiografia relativa ao período, a imagem negativa do fascismo proposta pelas interpretações tradicionais alterou-se. Para as interpretações anteriores, o fascismo teria sido um movimento sem autonomia, originalidade e sem ideologia; sendo assim, a experiência histórica dos italianos – como também dos alemães – fora vista como uma doença moral, anti-humanitária ou sinônimo de crueldade para com seus nacionais e outros povos. Outras caracterizações de caráter político mais visível, colocam o fascismo como um instrumento terrorista contra o proletariado nas mãos do capitalismo reacionário, afirmando assim, um movimento plenamente negativo dentro da história e ausente de “características” como o liberalismo, a democracia, o socialismo e o comunismo. Já as novas interpretações, apresentam uma nova imagem do fascismo que é apresentado como um fenômeno mais complexo, com uma originalidade própria situada na realidade das políticas de massa e do autoritarismo moderno.


Segundo Emílio Gentile Renzo de Felice, o fascismo foi um fenômeno surgido, como outros movimentos na história contemporânea, dos conflitos inerentes à moderna sociedade de massa e as transformações do Estado. No entanto, a sua formação não fora um movimento necessário e inevitável, tampouco a resultante ocasional de situações ocasionais. É demasiadamente simplista julgar que o fascismo enquanto suas formas peculiares – partido e regime – foram produtos equívocos dos interesses da burguesia reacionária para enfrentar a cristalização do movimento operário ou que movimentos desta natureza tenham surgido somente devido à ação e personalidade de protagonistas como Benito Mussolini e Adolf Hitler. Considerar somente estas características nos levam a crer que tanto o fascismo como o nacional-socialismo foram simplesmente “acidentes históricos” ou formas de reação capitalista contra os perigos de uma revolução proletária internacional. Além do mais que, a realidade do fascismo não fora homogênea e unitária, bem como seu devir histórico é repleto de contradições e ambigüidades, que se apresenta, superficialmente, como uma sucessão de posturas e de comportamentos aparentemente desconectados de ideologia, de organização e prática.


O movimento fascista foi dotado de uma intuição própria relativa a moderna política de massa, fundadas na consciência do papel que o “mito” e a “organização” desempenham nos movimentos coletivos da sociedade moderna. No curso de sua formação, seja como “partido” ou como “regime”, o fascismo desenvolveu a sua intuição incorporando elementos que pertenciam àquela realidade histórica do período anterior a Primeira Grande Guerra aliadas às crises generalizadas do período posterior: em que eram enormes o déficit estatal, a inflação e a crise na agricultura; que a partir de 1921 se tornaria ainda mais evidente a crise econômica com a situação de paralisia dos investimentos e da indústria.


O objetivo deste trabalho é mostrar como se deu a formação do movimento fascista e a sua consolidação como “regime” tendo principalmente como objeto a trajetória “contraditória” e “ambígua” do seu próprio líder, ou seja, “Il Duce” Benito Mussolini que sem duvida se trata de um personagem de extrema importância na história recente da Itália que até hoje provoca paixões, sentimentos, ressentimentos,ódios, rancores e polêmicas na consciência de milhões de italianos. Benito Mussolini é um dos poucos personagens de nossa contemporaneidade que é visto por biógrafos, críticos e historiadores, dotado de uma personalidade tão complexa, contraditória, alternante, intencionalmente mascarada e instintivamente simuladora que o torna tão atraente e repulsivo. Ao longo de toda a sua aventura política (que deu aos italianos tantas ilusões e desilusões), podemos constatar que sem duvida, sua personalidade foi um objeto de grande fascinação e que o mito da sua “revolução” que nunca se realizou, se manteve e sobreviveu enquanto houvesse quem lhes oferecesse sua inteligência (como apoio) e seus corpos (no esforço de guerra e de manutenção do estado fascista).


O duce do fascismo italiano iniciou sua carreira política no Partido Socialista Italiano (PSI) em 1900. Lecionou alguns anos na Suíça até meados de 1904 e foi funcionário do partido em Trento (na época território austríaco). Mussolini fundou em 1909 a revista Lotta di Classe, antes de se tornar chefe de redação do Avanti!, entre 1912 e 1914, órgão de propaganda do Partido Socialista. Foi também o porta-voz da ala esquerdista do partido. Nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, em que defendeu a participação da Itália no conflito com a Áustria, Mussolini afastou-se do PSI e incorporou-se ao exército italiano como bersaglieri no confronto armado. Em 1914, fundou o diário Popolo d'Italia, que ao invés de ser destinado somente à propagação da ideologia socialista, propôs a intervenção italiana contra os Impérios Centrais – idéias contrárias às da direção do partido.Mais tarde, faria desse jornal o órgão oficial do fascismo, o que causou sua expulsão do PSI. Depois de sua participação na Primeira Guerra Mundial, constituiu em Milão o primeiro Fasci di combattimento (Feixes de combate), núcleo do futuro movimento fascista. O seu sinal distintivo era o "fasces" do Império Romano (símbolo do poder dos cônsules da Antiguidade).


Melhor do que qualquer opinião ou juízo póstumo levantado por historiadores e biógrafos de Mussolini é o inquérito policial encontrado por Renzo de Felice que retrata autenticamente a personalidade e a compreensão dos acontecimentos históricos que presenciou Mussolini. Neste inquérito de 04 de junho de 1919, escrito por um inspetor geral chamado G. Gasti, informa sobre um “rebelde útil à pátria” que numa assembléia dos Fasci di Combattimento em S. Sepolcro - Milão no dia 23 de março de 1919, viu então Mussolini propor a discussão de três postulados referentes respectivamente ao problema militar, eclesiástico-religioso e trabalhista. Sobre o problema militar, sustentou que por hora esse assunto não deveria ser analisado dadas às condições que o mundo saia após a primeira grande guerra, no entanto, afirmava um dos grandes preceitos da escola republicana: a nação armada. Sobre o problema eclesiástico, sugeriu que as igrejas deveriam ser consideradas associações privadas sujeitas às leis comuns, a separação da Igreja e do Estado com a abolição do privilégio estatutário e o confisco de bens eclesiásticos. Sobre a questão trabalhista afirmou que era necessário proteger o proletariado da tirania dos poucos dirigentes (da Confederação do Trabalho) que atuavam para atingir seus próprios fins sem o discernimento da situação e destino das classes trabalhadoras.


Este documento ainda faz um retrato completo do perfil – intelectual, psicológico e moral – do “sujeito”. “De forte constituição física(...), é um emotivo e impulsivo, características que lhe fazem sugestivo e persuasivo em seus discursos(...); Pré-disposto a fazer rápidas amizades, é capaz de sacrifícios por seus amigos e é demasiadamente tenaz em suas inimizades e ódios(...)”. “É corajoso e ambicioso, tem muitas capacidades de organização e é capaz de tomar rápidas decisões, sempre o primeiro em todas as empreitadas que exigem coragem e audácia, de início um apóstolo sincero e apaixonado da neutralidade vigilante armada da Itália, e logo depois da guerra”. Segundo o relatório de Gasti, não é possível detectar em que medida Mussolini abandonou suas convicções socialistas, das quais, nunca fez manifestações nem abjurações públicas. Das notícias que relataram biógrafos, estudiosos e pessoas que conviveram com Mussolini (antigos alunos, professores, amigos e companheiros dos tempos como bersaglieri) antes de sua ascensão como supremo chefe do fascismo italiano, nos deixam um retrato que nos permite fazer um paralelo de como será o futuro político. Sua personalidade era marcada fortemente pela improvisação, versatilidade, oportunismo, destreza, percepção dos momentos e indubitável conhecimento dos homens e das massas. Vindo de família pobre e com uma dura infância, na sua juventude interessou-se por leituras “subversivas” (de certa erudição cultural para o seu tempo e ambiente) lendo títulos que iam de Os Miseráveis de Victor Hugo até O Capital de Karl Marx. Tornou-se um jovem insolente, rebelde, introvertido e agressivo que exerceu atividades de baixo escalão como carpinteiro, vendedor de drogarias e passou grande parte do tempo desempregado a qual realizava paralelamente uma atividade política junto aos pequenos grupos socialistas vagando de canto em canto e muitas vezes expulso por ser tido como “indesejável”.


Tornou-se, assim, a partir de 1911, o que pode ser chamado de um “socialista revolucionário” intransigente e extremista, orador eficaz e polêmico, político agudo que com extrema habilidade exerceu a função de dirigente político do socialismo na Itália. A sua primeira façanha revolucionária foi a guerra da Líbia, que no verão de 1911 começou a desenhar-se após a invasão do Marrocos pela França, em que defendeu a intervenção italiana na África que era bem vista pelo governo de Giolitti e por razões práticas pelos grupos financeiros e industriais representados pelo Banco de Roma. Neste período, ou seja, do que deveria ser a primeira “guerra relâmpago” que mostrou-se desastrosa e no calor dos movimentos insurrecionais como de Faenza que ele liderou e foi preso, Mussolini escreveu sua autobiografia Minha Vida, que são cerca de oitenta páginas desconcertantes em que confessa o seu passado, suas concepções filosóficas e os seus sentimentos de agitador revolucionário.

Em 1912, quando volta a liberdade, é visto como um mártir e se torna muito popular – concretamente, é neste momento que inicia sua carreira política dentro do PSI. Começa a inspirar-se em textos como Teoria das Elites de Louis Auguste Blanqui, obras Friedrich Nietzsche e George Sorel (teórico das capacidades da violência e do sindicalismo forte como instrumentos únicos da rebelião proletária). Em meados de 1913, depois de haver anunciado que o PSI deveria rechaçar as “concessões democráticas”, típica dos partidos de esquerda mas não revolucionários, Mussolini começou a sustentar idéias de que o proletariado deveria responder aos ataques com greves e revoltas gerais. Sendo assim, para defender a sua convicção de que se deveria passar da neutralidade absoluta para a neutralidade ativa e operante, irá entrar em cena suas polêmicas no jornal Popolo d'Italia e a sua conseqüente visibilidade frente ás classes dirigentes. Entre a inércia e a ação, preferiu a ação, sendo assim, isto lhe custou romper com o partido e se juntar com os nacionalistas; decisão esta que talvez tenha sido visto por ele como um atalho para o caminho da revolução do qual acreditava. Em resumo, o cisma de Mussolini para com o partido, submeteu-o aos intervencionistas de alto nível como o próprio rei, os industriais, os latifundiários, os nacionalistas, as classes conservadoras e um modesto apoio, porém turbulento, dos proletários e jovens de esquerda seus simpatizantes. Desta forma, após a grande crise causada pela deflagração da guerra, aumentaram suas bases de apoio e suas subvenções; e Mussolini passou a ser visto como um instrumento muito útil para o futuro aglutinando-o cada vez mais às classes capitalistas, das forças armadas, veteranos de guerra e do Estado “amante da ordem” dando ao fascismo ajudas e cumplicidades de todas as espécies. Centenas de brigadas (squadres), formados por oficiais afastados, ex-combatentes, membros de batalhões de elites, voluntários e estudantes começaram a dar forma aos grupos de ação (esquadrismo) recebendo subvenções patrióticas dos ramos destacados acima, modelando o caráter para-militar do que seria o fasci antes que Mussolini inventasse o termo.


Mussolini, assim cumpriu seu papel (dadas às suas qualidades) dando uma justificação ideal e unitária para este movimento colocando-se como líder no ano de 1919, o ano da fundação do fascismo italiano. A questão crucial que se coloca frente à problemática da formação do fascismo italiano, é de que maneira a “ambigüidade” e “contraditoriedade” da personalidade de Mussolini contribuiu neste processo de alteração dos caminhos e causas; ou melhor, por quê Mussolini em vez de apoiar as revoltas proletárias e do campesinato, preferiu colocar-se à frente ex-combatentes desempregados, aventureiros e matadores de profissão subvencionado pelas classes dirigentes? Talvez uma possível resposta seja de que o fator decisivo que tenha influído em sua “eleição” no pós-guerra sejam os compromissos financeiros e de todo o gênero, que o ligaram indissoluvelmente aos círculos capitalistas; e de que após a sua saída do partido (devido a sua incompatibilidade de idéias como a intervenção na guerra) em um plano psicológico, continuou-se, por outro lado, uma forte campanha contra ele.


Também não devemos ignorar o fato de que, impulsionado pelas circunstancias mencionadas, Mussolini tivera a percepção de que o objetivo final de sua revolução social seria mais facilmente alcançada, caso em vez de incitar-se as grandes agitações das massas, ele se apoiasse na violência institucionalizada e subvencionada dos squadristi pelas classes conservadoras, dirigentes, reacionárias e do Estado constitucional (como levantou a hipótese, o inspetor Gasti). Pretendi, desta forma, elucidar algumas questões concernentes sobre a ascensão do fascismo tendo-se como eixo principal a personalidade e a vida de Mussolini nos momentos cruciais que lhe levaram ao rompimento com as idéias de caráter socialista. Podemos perceber, que o movimento fascista enquanto ideologia não pode ser facilmente caracterizado, e que o programa revolucionário fascista não se efetivou solidamente, uma vez que, há uma relativa alternância e falta de regularidade dos rumos da condução da política fascista paralela às circunstancias. Todavia, é indubitável frente à multiplicidade de fatores que conduziram Mussolini ao poder, a sugestão de Renzo de Felice acerca do fascismo que: “satisfazia as suas demandas de re-equilibrio com a ênfase nos conceitos de ordem, disciplina, hierarquia e a desmobilização das classes inferiores; por outro lado, transferia as frustrações de um nível individual ou de classe para um nível nacional com reivindicações territoriais, sonhos de poder imperial e assim por diante. Tudo isto explica a formação e o desenvolvimento de um movimento de massa com um potencial altamente revolucionário e fortemente autoritário”.

Bibliografia:
RENZO de FELICE, Emilio Gentile. A Itália de Mussolini e a Origem do Fascismo, São Paulo: Ícone, 1988.
ZANGRANDI, Ruggero. Los Hombres, la Historia Universal a través de sus protagonistas: Mussolini, Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1976.
TRENTO, Ângelo. Fascismo Italiano, São Paulo: Ática, 1986.
PARIS, Robert. As Origens do Fascismo, Lisboa: Dom Quixote, 1970.