quarta-feira, 1 de abril de 2009

Vida Privada e Ordem Privada no Império

Luiz Felipe de Alencastro, nascido em 1946, em Itajaí, Santa Catarina, formou-se em história e ciências políticas na Universidade de Aix-em-Provence (França) e doutorou-se em história na Universidade de Paris-Nanterre. Atualmente é professor titular da cátedra de História do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne. Organizador do volume 2, Império – A corte e a modernidade nacional, da História da vida privada no Brasil (dirigida por Fernando Novais); é também autor de livro premiado pela Academia Brasileira de Letras: O Trato dos Viventes (2001).

Segundo Alencastro, a transferência da corte para a América portuguesa teve mais conseqüências do que somente a vinda dos aparelhos administrativos do governo da metrópole e da família real. Após o ano de 1808, iniciou-se um grande círculo de imigração de personalidades diversas, fidalgos, funcionários e dignatários régios que vieram exercer seus cargos no Brasil, e tinham suas rendas custeadas com o ouro e a prata retirada do Tesouro Real do Rio de Janeiro.  Este empuxo burocrático, ainda trouxe milhares de militares, centenas de padres, advogados, “praticantes” de medicina, colonos de outras partes do Império português e até pessoas vindas dos setores mais comprometidos da monarquia espanhola que saem dos países sul-americanos tomados por revoluções republicanas e migram para o Rio de Janeiro, único refúgio legal da monarquia no Novo Mundo.  Tal mudança irá ocasionar uma grande procura por mercadorias, serviços e bens diversos, reforçando cada vez mais a importância da baía da Guanabara como importante centro de atividades litorâneas e comércio marítimo, enaltecendo a ruptura do circuito de comércio continental que até então havia em larga escala, sobretudo, no período da mineração.

            Após a Independência – quando a legitimidade do governo do Império sediado no Rio de Janeiro ainda não se encontrava totalmente assentada -, aliada a esta mudança nos rumos do comércio brasileiro, irá surgir assim, o primeiro conflito institucional e de interesses entre o privado e o público imperial no âmbito das municipalidades. Alguns desses conflitos acabaram desaguando em guerras civis enquadradas dentro do contexto das “revoluções regenciais”, colocando em xeque o alcance do poder exercido por autoridades locais eleitas pelos proprietários rurais e ocasionando o seu choque com o poder centralizador imperial.

            No Império, assim como na colônia e de uma forma mais geral, no escravismo moderno, o direito – privilégio – de possuir escravos incide diretamente sobre a concepção de vida privada, e esta, além de confundir-se com a vida familiar, no decorrer do processo de organização política e jurídica nacional, fará com que a vida privada escravista desdobre-se numa ordem privada cheias de contradições e conflitos com a ordem pública. Assim, manifesta-se uma dualidade que atravessa todo o período imperial: o escravo é um tipo de propriedade particular cuja posse e gestão demandam, reiteradamente, do aval da autoridade pública.  Luiz Felipe ressalta que, tributado, julgado, comprado, vendido, herdado ou hipotecado, o escravo precisa ser captado pela malha jurídica do Império, por este motivo, o Direito assume um caráter quase constitutivo do escravismo, e o seu enquadramento legal ganha uma importância decisiva na continuidade do sistema.  Desta forma, havia, portanto, uma ordem privada específica, escravista, que deveria ser endossada nas diferentes etapas de institucionalização do Império.  

            No que se refere ao âmbito da privacidade e o poder municipal e provincial decorrem que a partir de 1828 e mais precisamente após o Ato Adicional (1834) em que são criadas as assembléias provinciais, o governo central subtrai a autonomia das municipalidades designando através dos presidentes de províncias – ou seja, em detrimento das autoridades locais escolhidas pelos proprietários e eleitores qualificados da região – aqueles que deveriam exercer o poder público em um nível regional; isto, para a elite escravista, afigurou-se em uma ameaça à ordem privada, isto é, à ordem geral. Como exemplos desse tipo de embate, em que se amalgama a ordem privada à ordem pública, podemos destacar a Balaiada ocorrida no Maranhão (1839-41) e em São Paulo e Minas Gerais durante a Revolução Liberal de 1842.  Como cita Alencastro, o escravismo entranhava-se nos lares e no âmago da vida privada, logo, este deve ser um elemento de instabilidade que deve ser estritamente controlado. Em conseqüência, o poder, a segurança pública, devia tirar seu fundamento da esfera pública de dominação mais compacta, mais imediata: a municipalidade. Resumindo, no que se refere às revoluções do Império, todas elas tinham como convicção comum à respeito do consenso imperial: o respeito à ordem privada escravista. 

            Aliada ao escravismo desenvolvia-se outras formas de entrelaçamento da política regional com a vida privada no Império como a sugeriu a análise consagrada de Gilberto Freire acerca do paternalismo e do patriarcalismo rural e urbano. O próprio sistema eleitoral desta época fazia com que senhores de engenho e fazendeiros mantivessem um contingente mais ou menos constante de agregados – seu curral eleitoral – em suas propriedades; sendo assim, deveres e direitos dos senhores e de seus dependentes encontravam um prolongamento institucional no sistema partidário e eleitoral.

            A escravidão está tão fortemente atrelada aos hábitos e comportamentos no Império, que a supressão do tráfico negreiro irá fazer sentir seus sinais até na balança comercial brasileira no período pós 1850 em que constata-se que o valor das importações do Rio de Janeiro quase duplicam-se. Os mercados e lojas da rua do Ouvidor inundam-se de bens de consumo semiduráveis, duráveis, supérfluos e jóias destinados aos consumidores endinheirados da corte e das zonas rurais vizinhas, que cessado o tráfico negreiro, não tinham onde empreender o excedente de seus capitais.  Introduzindo o Rio de Janeiro no contexto da modernidade no que se refere ao consumo capitalista, mercadorias-fetiche como o piano irá ser um objeto ostentório de grande desejo por parte das elites. 

            Sem se reter somente aos aspectos da atrelação do escravismo à vida privada no Império, Alencastro irá colocar em discussão uma série de outros assuntos relativos a própria evolução em direção a modernidade nacional brasileira. São expostas questões como a privatização do carnaval e o seu surgimento, movimentos lusófobos e nativistas acerca da mudança de nomes, a evolução da prática sexual e a emancipação da vida privada à liturgia católica, entre outras curiosidades.

            Ao lado dos surtos violentos de antilusitanismo e das pretensões por parte da família imperial de se constituir uma sociedade européia no Brasil, o nacionalismo brasileiro desenvolveu uma maneira peculiar de ser, um comportamento individual, privado, que tinham um significado público de afirmação da singularidade nacional. Estas dizem respeito principalmente às modas da corte e os costumes do império. Estas representações variam desde discursos nacionalistas hiperbólicos totalmente xenófobos até cortes de cabelo, a preferência dos charutos em vez dos cachimbos, ou seja, Alencastro ilustra alguns exemplos em que os brasileiros tiveram de apartar-se da moda ocidental por causa do chão social do país.

            O capítulo ainda traz outras formas de desvios do comportamento brasileiro com relação ao modelo europeu como: o uso das mucamas ou amas de leite caracterizando uma especialização econômica da mulher cativa no trabalho doméstico e no aleitamento dos filhos dos senhores; o uso dos tigres – escravos encarregados de levar os dejetos domésticos até a praia – malgrado as endemias de verão e a ausência de sistemas de esgoto. E as contradições do próprio sistema escravista com relação ao ambiente epidemiológico da corte com os surtos de febre-amarela, cólera, varíola e outras doenças que fustigaram o Império: no caso da cólera, por exemplo, em que se chegou a cogitar a permissão dos escravos de se usar sapato – ato não permitido dado seu estatuto de cativo – para a manutenção da boa saúde da escravaria e o não alastramento das doenças.

            Paralelamente, surgem manuais médicos dirigidos aos fazendeiros e versando sobre o tratamento dos escravos em que os preceitos médicos assumiam um caráter essencialmente mercantil; aparecem teorias que justificam a diferença entre o branco e o negro não somente pela cor da sua pele, mas também, “por uma limitação em sua organização cerebral, que não lhe permite levar ao mesmo grau a extensão de suas faculdades intelectuais” segundo um corrente Manual do fazendeiro da época. As teorias cientificistas acabam por combinar-se com a hierarquia social preexistente para também justificar o escravismo, e segundo Alencastro, estas novas idéias passaram a ratificar a prática e os argumentos tradicionais de outrora. Sendo assim, justificar-se-ia a escravidão no Brasil não somente através do caráter evangelizador que era largamente professado por Antonio Vieira no período colonial, mas agora também, pelas suas deficiências mentais.

            Em um país escravista, possuindo no mínimo, segundo o primeiro censo de 1872 – que tiveram dados forjados quanto à cor de pele dos escravos e a religião destes -, 20% da população era dita preta e 38% mulata; o problema mais geral da identidade iria se constituir em uma fonte permanente de tensão social. Sendo assim, surgem inúmeros casos de livres e libertos que procuravam parecer brancos e casos em que se tenta caracterizar a escravidão como um estatuto exclusivamente reservado aos negros, pretos e pardos. O capítulo traz ótimas fontes iconográficas – desenhos, gravuras e fotografias – para a ilustração desses eventos citados acima no período imperial.

            Ao fim do capítulo Alencastro traça um paralelo entre duas obras literárias relativas ao mal que os senhores faziam aos seus escravos no contexto do colapso da ordem privada escravista. Uma seria a obra intitulada A cabana do Pai Tomás (1852) escrita pela norte-americana Harriet Beecher Stowe e Vítimas–algozes (1869) de Joaquim Manuel de Macedo, em que Alencastro identifica uma profunda diferença entre as duas obras que ajuda a elucidar a questão do trato negreiro. Para a norte-americana, a escravidão era ruim porque transformava o cativo num coitadinho, ao passo que, para Macedo a escravidão era péssima porque tornava o cativo um criminoso, ou seja, torna o escravo carrasco de seus companheiros de estatuto. A importância desta análise se dá, uma vez que essas noticias abundavam constantemente nos jornais da época denunciando senhores por mal trato de seus cativos.  A violência do tratamento escravista – leia-se como desordem privada escravista - será um fator de grande importância para a ruína do próprio escravismo e da ordem pública.

            Por fim, os condicionantes históricos desse processo de endossamento do escravismo na ordem privada do Império configuram duradouramente o cotidiano, a sociabilidade, a vida familiar e a vida pública brasileira. A idéia central do capítulo de Alencastro será que o escravismo não se apresenta como uma herança colonial, ou seja, como um vínculo com o passado que o presente oitocentista se encarregaria de dissolver. O escravismo apresenta-se, como um compromisso para o futuro: O Império irá retomar e reconstruir a escravidão no quadro do direito moderno, dentro de um país independente, projetando-a sobre a contemporaneidade. A supressão do tráfico negreiro minaria, assim, as bases da ordem privada escravista, bem como a reprodução dos escravos e a própria reprodução da classe escravista.  Enquanto no decorrer do século XIX, dominado pelo trabalho assalariado e livre, o escravismo apresentava-se no Brasil como uma exceção, após a sua Abolição em 1888, muitas das formas de relação entre proprietários e empregados, por exemplo, ainda seriam tributários da ordem privada escravista que havia vigorado três séculos e meio no Brasil. 

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Os momentos decisivos e o período crítico da condução da Guerra pela Alemanha (1939-1945)




Passado pouco mais de meio século após o ultimo tiro alemão contra as tropas soviéticas na defesa dos arredores do Reichstag (parlamento), ainda nos restam algumas dúvidas de como o plano da construção do Terceiro Reich fora por água abaixo e como houve uma reviravolta tão grande no cenário de guerra europeu num limite de tempo tão pequeno. Pelo Tratado de Versalles o exército alemão teria direito à um efetivo muito reduzido de soldados e que deveriam ser usados somente para controle de fronteiras; com a ascensão de Adolf Hitler, em um curto espaço de seis anos – a contar a participação da Alemanha na Guerra Civil espanhola –, a Wehrsmacht (exército regular alemão) tornou-se um dos exércitos mais temidos e preparados para guerra, isto sem contar, as poderosas divisões de combate da Waffen SS (Schutzstaffel, Serviço de Segurança) que fizeram história na sua participação em importantes momentos da guerra como as: TotenKopf, LeibStandarte, PanzerFaust, Das Reich e Afrika Korps.


Os exércitos nazistas - prefiro denomina-los desta forma, uma vez, que freqüentemente as operações iniciais durante a segunda guerra mundial teriam envolvido tanto unidades do exercito regular como divisões da SS -, definitivamente não tinham os melhores e mais sofisticados equipamentos bélicos, porém, a sucessiva participação da Alemanha em guerras até este momento (a saber: Guerra Franco Prussiana, Primeira Guerra Mundial e Guerra Civil Espanhola), fez com que se criasse uma experiência acumulada da maneira como se devia fazer guerra para com outras nações. E a maneira com que foi feita a guerra, além de mostrar-se determinante no curso da guerra, é um assunto fascinante, se lembrarmos o uso da Blitzkrieg (guerra relâmpago) que fez com que a Polônia capitulasse em um mês e cinco dias de ofensiva alemã proporcionalmente com um número irrelevante de baixas; e a Sitzkrieg (guerra de braços cruzados) com que a Alemanha invadiu a França que creditava todas as suas forças na Linha Maginot.


Desta forma, o que pretendo salientar neste breve trabalho, temporalmente o quão efetivo fora a tática nazista nos momentos iniciais do conflito, ou seja, no momento de máxima expansão nazista (1939-1942) até a reviravolta na situação de guerra com a: invasão da Normandia pelos pára-quedistas americanos, a derrota em Stalingrado e Kursk pelos soviéticos, e o fracasso em El-Alamein e Tobruk pelos ingleses no Norte da África..


No alvorecer da guerra, ou seja, no ataque a Polônia para a conquista do Corredor polonês comandadas pelo general Von Kluge e general von Kuechler (3º exército) que da Prússia Oriental fazia seu avanço sobre a Polônia, dias após o confronto, ficam no chão os sinais da maneira com a qual Hitler pretendia conquistar a Europa em pouquíssimo tempo: cavalos mortos no chão. A comprida lança dos cavaleiros poloneses contra o comprido canhão dos PanzersKampfWagen! Foi a primeira experiência no confronto de uma guerra relâmpago: “um rápido ataque de surpresa, os aviões de caça e os bombardeiros roncando no alto, fazendo reconhecimentos, atacando, espalhando o incêndio e o terror; os Stukas zunindo ao mergulharem; os tanques, divisões completas deles, rompendo linhas e avançando trinta ou quarenta milhas por dia(...)” [1].


No entanto, que fariam a França e a Inglaterra caso a Polônia fosse atacada? Ou melhor, o que faria a França? A resposta talvez seja mais bem explicitada por Churchill: “Esta batalha havia sido perdida um ano antes” [2] , ou seja, certamente ele se referia á Conferência de Munique , por ocasião da ocupação da Renânia e dos Sudetos, quando Hitler proclamou o recrutamento para a formação do exército, desrespeitando o tratado de Versalles. Este seria o preço, o qual acreditava Churchill, pela lamentável falta de ação por parte dos Aliados.


E esta mesma imobilidade, ou melhor, dizendo, falta de estratégia francesa – que acreditava que um novo conflito com a Alemanha se daria da mesma forma com que ocorreu na Primeira Guerra, ou seja, no limite entre as fronteiras dos dois países numa grande guerra de trincheiras- ; a estratégia nazista mostrou-se novamente eficaz ao Hitler no dia 10 de maio de 1940 ordenar a invasão dos Países Baixos sob o comando dos generais von Bock e von Rundstedt[3] ,simultaneamente com a retenção das tropas blindadas na fronteira com a França do qual, a Holanda capitulou cinco dias depois e a Bélgica dezoito dias depois; sendo declarado o armistício francês no dia 22 de junho de 1940 com o ataque bem sucedido do general von Leeb[4].


Neste mesmo impulso, com o que o Reich utilizará para neutralizar o inimigo francês, Hitler ordenou a invasão da Noruega e da Dinamarca que foram concluídas com grande sucesso em 10 de junho de 1940; estes dois países além de apresentarem-se importantes no contexto do espaço vital alemão, eram de suma importância para uma operação maior e secreta: a operação Leão do Mar[5]. A operação Leão do Mar era o projeto de invasão da Inglaterra, por vias marítimas e aéreas, que para um efetivo sucesso necessitava, da destruição ou neutralização da RAF – Royal Air Force -, para isto, como convergência desta estratégia, a Luftwaffe possuía importantes bases áreas após a conquista da França, Noruega e Dinamarca, de modo que, planejava-se um ataque aéreo maciço para desmobilização das defesas antiaéreas britânicas, para uma posterior invasão de fuzileiros com cobertura da Kriegmarine sob o comando do Almirante Karl Doenitz. Todavia, este fora talvez o início do malogrado plano de Hitler para uma rápida conquista da Europa; a aviação alemã enquanto contavam com aviadores mais experientes, os ingleses possuíam aviões de caça e bombardeiros mais eficientes[6]. Uma luta travou-se nos céus do Canal da Mancha que durou cerca de 20 semanas, os alertas de bombardeio soavam várias vezes ao dia em Londres, isto trazia uma sensação de verdadeiro horror principalmente aos civis. Não bastando, a superioridade técnica dos aviões da RAF, um contingente crescente de pilotos americanos alistavam-se voluntariamente (antes da entrada formal dos Estados Unidos na guerra), incorporando-se à RAF, fazendo com que definitivamente a Luftwaffe perde-se o controle sobre o domínio aéreo.

Não obstante a audaciosa estratégia de Hitler para conquista da Europa, Mussolini e suas tropas despreparadas atacam o Egito a 13 de setembro de 1940, abrindo uma nova frente do Eixo no Norte da África. As tropas italianas sofreram diversos revezes, a ponto de em 6 de fevereiro de 1941, Hitler ordenar que o prestigiado general Erwin Rommel (O cavaleiro negro) tomasse frente do socorro às tropas italianas, atacando a Argélia, Líbia e Tunísia em fins de junho de 1942.


Travava-se então, uma grande e equilibrada batalha no deserto, “centenas de tanques fumegavam destroçados, pontos fortificados foram tomados e novamente abandonados, muitas vezes não se sabia onde estavam os amigos e os inimigos, hospitais de emergência mudavam várias vezes de senhores, de modo que os médicos de ambos os exércitos continuavam a trabalhar sem dar atenção ao desenrolar da luta” [7]. Em um primeiro impacto, o Afrika Korps obteve um grande sucesso sobre as tropas britânicas, no entanto, seria vital neste tipo de batalha sob condições extremas de sobrevivência não somente a disciplina e a vontade de lutar dos soldados, mas também, a condição sine qua non para um desfecho triunfante seria a regularidade dos abastecimentos. Atravessar milhares de quilômetros deserto adentro implicava numa grande necessidade de combustível e mantimentos, e foi neste elemento que fora determinante a hegemonia aérea e marítima que os Aliados haviam conquistado, frustrando os planos alemães de chegarem ao poços de petróleo via Egito no Golfo Pérsico. A Royal Navy possuía inexoravelmente o pleno controle das rotas marítimas que passavam pelo Mediterrâneo (aliado a um hegemonia aérea sobre os céus dos desertos), isto fez, com que fossem cortadas as linhas de abastecimento das tropas italianas e alemãs, inviabilizando qualquer outra ofensiva por falta de “forças” [8]., sendo os alemães rechaçados pelos britânicos em Tobruk e El Alamein.


A situação complicava-se cada vez mais para o Führer, e embora algumas vezes tivesse uma visão extremamente analítica da situação, outras, se perdia e confundia-se achando que seu pior inimigo seria a Inglaterra. Sendo assim, desde a invasão da Polônia, o Alto Comando do Exército alemão sob ordens expressas de Hitler ensejavam a Operação Barbarossa que tinha como grande objetivo: a total destruição do exército soviético em uma operação que não deveria passar de um ano Em 22 de junho de 1941 inicia-se a operação de invasão da URSS dirigidas pelos generais von Leeb, von Bock e von Rundstedt. Este último, ao ser convocado, chega a comentar “Esta guerra contra a URSS é uma idéia absurda, que certamente terá um resultado desastroso”. Hitler confiava numa campanha veloz, que obrigaria os soviéticos a pedir a paz no primeiro ano de guerra. A rapidez das campanhas da Polônia e da França haviam-no convencido de sua imensa superioridade. No entanto, von Rundstedt pensava de forma totalmente adversa: “Devemos nos convencer de que jamais venceremos numa rápida campanha de verão. Pensemos nas distâncias a percorrer,(...)Devemos nos preparar para uma longa guerra” [9].


De início a tática fora efetiva, os exércitos nazistas conseguiram conquistar importantes vitórias como Pavlov e o cerco a Kiev. Os exércitos continuaram avançando sobre o leste, ao passo que os exércitos soviéticos aplicavam a política de terra queimada em um grande recuo para o leste, destruindo qualquer coisa que pudesse ser utilizada pelos alemães; o ponto culminante fora em Stalingrado onde talvez tenha se dado o maior choque entre exércitos da história das guerras. Centenas de milhares de baixas ocorriam em ambos os lados, no entanto, com o inverno, os exércitos nazistas já sofriam deficiências de abastecimento, e tinham divisões inteiras que eram deslocadas para assistir na frente ocidental(os marines da 101º Airbourne saltam em 6 de junho de 1942 sobre a Normandia na intitulada Operação Overlord). Era o início do fim, em outubro de 1942, a situação se inverte e quem passa a atacar são os soviéticos. As tropas nazistas já sofriam de intensa carência de matérias primas para fabricação de novos equipamentos bélicos, bem como petróleo para a movimentação dos tanques. Embora as ordens expressas por Hitler fossem de que era proibida a rendição, alguns generais, por suas próprias contas, tiveram a consciência de que a resistência contra os soviéticos era inútil. As baixas aumentavam a cada dia, divisões inteiras eram feitas prisioneiras, a ponto de fins de 1944, fosse quase completa a rendição de todas as tropas da Wehrsmacht.


Embora a situação fosse catastrófica para os alemães a partir de 1944, tendo que combater em diversas frentes, os nazistas chegaram a retardar e em muito tempo o avanço dos americanos como nas batalhas de Bulge (Bélgica), Ardennas (Bélgica), e Market Garden (Holanda). Nesse mesmo movimento de entrada dos americanos e contra-ataque dos soviéticos, as tropas nazistas ainda tinham que lidar com o agravamento das resistências francesas, polonesas (do qual houve um grande levante no gueto de Varsóvia em fins de 1943) e holandesas. Os britânicos deixaram de combater através de seu exército somente no Norte da África, e passaram a usar a França como porta de entrada nos confrontos diretos com os alemães. Sem esquecermos o acréscimo de soldados de outras nacionalidades que foram incorporados ao exército americano como os canadenses(numa operação paralela a invasão da praia de Omaha, invadindo June na Normandia) e dos brasileiros(que foram incorporados ao 8º Exército Americano desembarcados em Nápoles e incumbidos de tomar Monte Castelo).


No início de 1945, a situação já era irreversível para o terceiro reich. Tropas aliadas já adentravam ás margens do rio Reno e a defesa do território alemão só se fazia agora através das fanáticas tropas da SS, brigadas populares de resistência e brigadas juvenis como a Hitler Jugend (juventude hitlerista). No dia 13 de fevereiro de 1945, em Dresden (uma cidade totalmente desprovida de resistência militar), bombardeiros americanos e ingleses despejaram cerca de 2.000 toneladas de bombas na cidade, causando incalculável sofrimento às vítimas civis. Os exércitos soviéticos adentraram território alemão causando inúmeras atrocidades para com os civis, principalmente para com as mulheres.

O cerco à Berlim efetivara-se, e o sonho do Terceiro Reich que duraria mil anos caiu junto com a swastika que se fixava no topo do Reichstag, e os nazistas, passaram de caçadores a caçados(Tribunal de Nuremberg).
Dos despojos desta guerra, nasceu uma outra, ideológica, que caso culminasse em um conflito bélico, fatalmente destruiria o mundo.

Bibliografia utilizada como referência
Willian L. Shirer. Ascenção e Queda do Terceiro Reich (Civilização Brasileira,1964), vols. III e IV.
Osvaldo Coggiola. A Segunda Guerra Mundial: um balanço histórico (Editora Xamã, 1995).
Enzo Biagi. Os grandes nomes de nossa época: Os Generais de Hitler (Editora Três, 1974).
Ernest Mandel. O Significado da Segunda Guerra Mundial (Editora Ática, 1989).
Hellmuth G. Dahms. A Segunda Guerra Mundial (Brugera, 1968), vol I.
Joachim Fest. No bunker de Hitler: os últimos dias do terceiro reich; trad. Patrícia Lehmann (Objetiva, 2005)


NOTAS


[1] SHIRER, L. Willian – Ascenção e Queda do Terceiro Reich, Volume III, pág 11.
[2] apud ascencao e queda – Churchill, The Gathering Storm, pág 478.
[3]BIAGI, Enzo. Os Generais de Hitler – sobre Karl Von Rundstedt.( Em 10 de maio quando Hitler iniciou sua ofensiva contra o ocidente, incumbe o general von Rundstedt da tarefa de destruir a linha Maginot e irromper até o canal da Mancha tendo a disposição 44 divisões perfeitamente adestradas e disciplinadas com a colaboração de Hermann Goering (Marechal da Luftwaffe): em poucos dias destrói os exércitos da Holanda e Bélgica avançando por trás da Linha Maginot, abrindo caminho para as tropas nazistas até Paris).
[4] Ocupação efetivada com a instauração do governo colaboracionista da França de Vichy em 07 de novembro de 1942.
[5] SHIRER, L. Willian – Ascenção e Queda do Terceiro Reich, Volume III,Operação Leão do Mar:a malograda invasão da Inglaterra, pág 206-255.
[6] Sobre a superioridade área inglesa: O caça inglês Supermarine Spitfire levava folgada vantagem técnica sobre o respectivo caça alemão (Messerschmitt BF 109) ou o caça/bombardeiro de mergulho Stuka. Isto, sem falar nos avanços técnicos ingleses quanto ao sistemas de radares que permitiam antever os bombardeios alemães à capital inglesa. Vide: DAHMS, H. G. A Segunda Guerra Mundial , V. I – A Batalha da Inglaterra em 1940. Rio de Janeiro: Brugera, 1968. pág., 182.
[7] DAHMS, H. G. A Segunda Guerra Mundial , V. I – A Evolução para a Guerra Total. Rio de Janeiro: Brugera, 1968. pág., 337.
[8]Idem. . – A Campanha no Sudeste em 1941, pág 213. Não bastando a dispersão alemã, que com a chegada dos americanos à Sicília comandadas pelo general Patton, tiveram de correr em socorro dos italianos; Em um maciço bombardeio à Tobruk até então sob domínio alemão, o famoso general Erwin Rommel desaparece misteriosamente no deserto, e tornou-se procurado por Hitler que o acusava de traição e deserção.
[9] BIAGI, Enzo. Os Generais de Hitler – sobre Karl Von Rundstedt na Operação Barbarossa, pág 85-86.