sábado, 11 de fevereiro de 2012

Resenha: Hayden White – Trópicos do discurso: ensaio sobre a crítica da cultura.

A Tropologia, o Discurso e os modos da consciência humana

Quando tentamos fazer uma explicação ou relação de tópicos problemáticos como natureza humana, cultura, sociedade ou história, nunca conseguimos o dizer com precisão no sentido exato que queremos, pois, o nosso discurso sempre tende a escapar dos nossos dados e voltar-se para as estruturas da consciência; portanto, os dados sempre obstam a coerência da imagem que estamos tentando formar.

Hayden White examina aqui o problema das relações entre descrição, análise e ética nessa área, estudando autores tão diversos como Piaget e sua teoria do desenvolvimento; Freud e a interpretação dos sonhos; E. P. Thompson e sua história da classe operária inglesa – além de outros pensadores como Vico, Croce e Foucault – para mostrar como o discurso espelha ou repete as fases pelas quais a consciência deve passar no seu processo de apreensão, de forma a organizar a “realidade concreta”. Para o autor, em face dos obstáculos enfrentados pelas ciências humanas, seria possível adotar estratégias semelhantes às da arte e da literatura. Dessa perspectiva, arte e ciência deixam de ser formas excludentes de conhecimento.

Todo discurso originalmente esta imbuído destas diferenças de opinião na formulação de uma dúvida com relação à própria autoridade e ocorre principalmente quando tentamos identificar os elementos contidos em seu tempo e discernir os tipos de relação que eles exercem. Hayden White nos aponta uma disparidade entre o discurso, ou seu modo de enunciação, de um lado, e o significado de outro, ou seja, ele nos fala de uma união do significado e do significante no próprio símbolo, portando numa busca de adequação à mensagem que queremos transmitir através de uma linguagem.

Assim, podemos dizer que a presente obra de Hayden White se ocupa do elemento trópico contido em todo discurso, o trópico é a sombra da qual todo discurso realista tenta fugir, é o processo pelo qual todo discurso constitui os objetos que ele pretende descrever realisticamente e analisar objetivamente. A palavra trópico, de tropo, deriva de tropikos ou tropos, que no grego antigo significa “mudança de direção”, “desvio” ou “maneira”. Para os retóricos, gramáticos e linguistas, os tropos podem significar desvios do uso literal da palavra ou “próprio” da linguagem que não são sancionadas pelo costume ou pela lógica. Os tropos geram figuras de linguagem ou pensamento mediante associações que estabelecem com diversos conceitos relacionados ou não com o tropo utilizado. Como verificou em Harold Bloom, um tropo pode ser um equivalente linguístico de um mecanismo psicológico de defesa(uma defesa contra o sentido literal do discurso assim como as regressões e ou projeções se tornam defesas contra a percepção da morte na psique).

O discurso é o gênero em que predomina o esforço para adquirir este direito de expressão, com crença total de que as coisas podem ser expressas de outra forma, “toda interpretação depende mais da relação antitética entre significados que da suposta relação entre o texto e o seu significado”, concluía Harold Bloom. Segundo White, é possível mostrar que todo texto mimético deixou alguma coisa fora da descrição de seu objeto ou lhe acrescentou algo que não é essencial para que um leitor possa compreendê-lo. Numa análise literária, toda mimese se apresenta como que algo deformado que pode até servir de ensejo para fazer uma descrição mais realista ou mais “fiel aos fatos”.

Segundo Hayden White, a técnica convencional para julgar a validade dos discursos em prosa, como por exemplo, dos tratados políticos de Maquiável ou de Locke, ou o ensaio sobre a desigualdade de Rousseau ou as histórias de Ranke, consiste em examiná-los inicialmente quanto a sua fidelidade aos fatos do tema que está sendo analisado, em segundo lugar, examinar a observância dos critérios de coerência lógica que o silogismo clássico represente. Esta técnica de crítica age em visível oposição a própria prática do discurso, pois o intuito do discurso é constituir terreno onde se pode decidir o que contará como um fato na matéria em consideração e determinar qual o modo de compreensão mais adequado ao entendimento dos fatos assim constituídos. O discurso, numa palavra, é essencialmente um empreendimento mediador, é ao mesmo tempo interpretativo e pré-interpretativo: é sempre sobre a própria natureza da interpretação e sobre o tema que constitui a ocasião de sua própria elaboração, em um movimento diatático.

O discurso sempre se volta para a reflexividade metadiscursiva e todo discurso sempre é sobre o próprio discurso e sobre os objetos que compõem o seu tema. Assim considerado como um gênero, todo discurso deve ser analisado em três níveis, no da descrição (mimese) dos dados encontrados, no do argumento ou narrativa (diegese), que corre paralelamente à matéria narrativa, e analisar o nível aonde elas se combinam (diataxe).

A compreensão é um processo de tornar familiar o não-familiar ou “estranho”, este processo só pode ser tropológico na essência, pois o que está envolvido na conversão do não-familiar em familiar é uma criação de tropos que em geral é figurativa. Portanto, os discursos se manifestam através das figuras de linguagem como as metáforas, metonímias, sinédoques e até mesmo a ironia. Assim, sendo o discurso um produto dos esforços da consciência para estabelecer um acordo com domínios problemáticos da experiência, ela serve de modelo para as operações metalógicas pelas quais a consciência, na práxis cultural geral, efetua tais acordos com o seu meio social e ou natural.

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