quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

As Mulheres da terra e a colonização na América Portuguesa: Perversão, Pecado e Canibalismo.

O retrato das mulheres pertencentes às sociedades tupinambás na América Portuguesa dos séculos XVI e XVII, implica-se, de forma geral, na percepção adotada pelos conquistadores europeus, ou seja, na percepção influenciada quase que totalmente pela tradição cristã católica. A perspectiva do olhar dos primeiros viajantes que adentraram no continente desconhecido, não se preocupava em adotar nos seus por menores os aspectos da representação da realidade de uma cultura diferente, ela visava, preferencialmente, retratar alegoricamente indícios do barbarismo dessas culturas, a presença do Diabo ou uma degeneração dos bons hábitos fruto das leis naturais criadas por Deus. Dessa forma, a lógica das narrativas sobre o cotidiano ameríndio irá basear-se nos interesses da colonização e da expansão do cristianismo.

Baseada na tradição bíblica do Antigo Testamento que reforça a teoria da monogenia, ou seja, de que todos os seres humanos são descendentes de Adão e Eva e, através de outras interpretações que foram sendo elaboradas ao longo dos tempos como a de quê no momento da Criação as vozes de Deus teriam ecoado a todos os cantos do mundo, as diferenças entre o branco e o ameríndio deveriam significar marcas da barbárie e dos desvios da fé original que, dessa forma, caracterizariam transgressões que iriam conduzir os americanos para o inferno. Os hábitos semelhantes ou coincidentes dariam lugar a alegorias como a do profeta São Tomé que no passado teria percorrido o continente difundindo a religião cristã deixando suas pegadas por onde teria passado.

Nos domínios portugueses, a colonização teria sido lançada por iniciativa dos jesuítas, que desde os primórdios da expansão ultra-marina, lograram para si a incumbência da empreitada missionária que começara na Índia, dirigidas por Francisco Xavier[1]. No Brasil, não seria diferente; nosso primeiro cronista Pero Vaz de Caminha escreveu à D. Manoel exaltando “o acrescentamento de nossa Santa Fé”. Meio século depois, D.João III teria escrito à Tomé de Souza: “a principal coisa que me moveu a povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente dela se convertesse à nossa santa fé católica”.

A demonização da vida cotidiana das populações ameríndias, a aculturação cristã e a missão salvacionista são traços essenciais da mentalidade da Contra Reforma propagada na Europa e que foi difundida para os trópicos do recém-descoberto ultramar ibérico. Na obra de Laura de Mello e Sousa, O Diabo e a Terra de Santa Cruz, que foi muito influenciada pelo clássico Visão do Paraíso de Sérgio Buarque de Holanda, fica nítido que, embora ainda hajam resquícios do Paraíso Terreal na mentalidade dos portugueses do século XVI e que esses mitos remeteriam à um pensamento de que as terras do Novo Mundo se apresentassem maravilhosas, onde não se fazia frio nem calor, com gente alegre e amável ; nota-se que principalmente os portugueses teriam sido muito lúcidos frente à realidade concreta que se apresentava no ultramar português.

O próprio Caminha teria dito que o Paraíso não ficaria no Brasil, e todos os cronistas e viajantes que estiveram no Brasil recém-descoberto, se falaram bem, teria sido por recurso de estilo.
Houve sim uma edenização, porém, uma edenização muito restrita às paisagens totalmente diferentes das que teriam vislumbrado os portugueses antes.

Exaltou-se muito os ares temperados, o elogio das terras em que tudo se dá e a abundância de águas disponíveis; no entanto, esta exaltação muitas vezes fundiu-se com as queixas irritadas dos colonos que se sentiam desconfortáveis em viver nos trópicos, e o elogio aos ares temperados de repente teriam sido transformados em inúmeras reclamações à respeito dos ataques de calor, a quantidade de insetos, pulgas e baratas. As alusões feitas às maravilhas das terras brasileiras teriam sido feitas, sobretudo, a propósito da expansão da colonização, ou seja, propagandas para atrair a vinda de colonos e possibilitar a difusão dos engenhos e lavouras de açúcar. Pero de Magalhães Gandavo em 1576 representou em seu Tratado da Terra do Brasil o maior expoente desta vertente edenizadora da colonização portuguesa no Brasil.

Analisando uma outra esfera que não a das paisagens e da natureza sobre a mentalidade da colonização, descobrimos um sentido diabólico e infernal da colonização dos trópicos. Como sugeriu Laura de Mello e Sousa, surge na descrição dos ameríndios uma caricatura de gentes estranhas, com hábitos estranhos aos olhos dos europeus, que associavam o índio muito mais com a animalidade, do que, com a humanidade; Há um sutil regresso às crenças medievais sobre o homem selvagem em outras partes do mundo que deveria ser: monstro pelo seu isolamento geográfico, selvagem pela sua nudez e repulsivo pelo mais hediondo de seus hábitos, ou seja, a antropofagia. Em outros casos como particularmente o espanhol, o índio poderia ser associado aos velhos mouros da Guerra de Reconquista. Embora sejam escassas as documentações sobre a época, e de que essas documentações teriam sido feita em sua maior parte por cronistas viajantes ligados aos cleros seculares e regulares, surgem também visões complacentes em relação aos ameríndios.


O padre Fernão Cardim veria na nudez em que todos andavam uma prova do “estado de inocência, honestidade e modéstia”[2]. Manoel da Nóbrega, um dos grandes líderes dos jesuítas no Brasil, teria julgado os ameríndios aptos à catequese, pois tudo neles era “papel em branco” em que se podia “escrever à vontade”[3]. No entanto, no dia-a-dia da catequese parecia ser unânime entre os missionários a detração, a hostilização dos costumes e a má vontade em face ao gentio. Opinião esta, presente até na fala daqueles que defenderam a não escravização dos índios; José de Anchieta teria os considerado “de tal forma bárbaros e indômitos” que pareciam “aproximarem-se mais da natureza das feras que à dos homens”. Padre Antonio Vieira justificaria que Deus teria enviado à essas partes do mundo Tomé, o apóstolo, para evangelizar o Brasil, a fim de castiga-lo por sua incredulidade: “(...) porque a gente destas terras é a mais bruta, a mais ingrata, a mais inconstante, a mais avessa, a mais trabalhosa de ensinar de quantas há no mundo.”[4].


Nesse contexto, repetiu-se à exaustão que o gentio das terras brasílicas não pronunciavam as letras F,L e R por não terem fé, lei e rei, o que às vezes poderia significar vê-los mais como pobres inocentes que viviam em um estado de anarquia diabólica. Desta forma pensava Fernão Cardim, que os vira como “pouco endemoniados”: “Como poderiam os índios crer no Diabo sem ao menos conhecerem Deus ?”. Repugnava-lhes, antes de tudo, o “canibalismo”, que era uma prática totalmente ininteligível ao europeu (e muito assustadora aos missionários), fato este que colaborava para fortalecer a visão do índio como ser animalesco, selvagem e monstruoso. Era vista também, com muita inquietude, a ausência de interdições quanto a exibição dos corpos e as relações sexuais. Foram os jesuítas, em sua grande maioria, que viram na nudez indígena uma prova de escândalo, ocasião das torpezas e de ofensa a Deus.


A nudez e a promiscuidade indígena combinavam-se com o mais absoluto desregramento nas relações sexuais. Os pecados da carne foram um dos elementos que mais chamaram a atenção dos cronistas e viajantes da época, notícias sobre os pecados que eram cometidos pelos índios do Brasil chegavam até a Europa, boatos esses que entre os indígenas “o pai se unia às filhas, os tios às sobrinhas, os avôs às netas; os homens com várias mulheres e até mulheres com vários maridos”.[5] Esses pecados eram tão populares na voz dos jesuítas e outros cronistas, que o sertanista Gabriel Soares de Sousa em seu Tratado descritivo do Brasil em 1587 chegou a nomear um de seus capítulos com título de “Que trata da luxúria destes bárbaros”, que específica um verdadeiro memorial dos desvios sexuais ameríndios, ou seja, alude que no tocante aos pecados da carne não havia torpeza alguma que os tupinambás não cometiam.[6]


Dentro desse contexto exótico das relações e hábitos indígenas, e frente à mentalidade européia que era, sobretudo, influenciada pelas resoluções do Concílio de Trento, as mulheres indígenas irão representar o exemplo perfeito do estado de barbarismo e caos em que viviam as sociedades tupinambás do século XVI e do paradigma teológico cristão que observava o Novo Mundo com valores e padrões muito distantes daqueles que vigoravam na realidade do Brasil colonial. Jean de Lery, um huguenote francês, nos deixou um importante legado sobre a dinâmica da sociedade tupinambá a partir das funções desempenhadas pela mulher indígena; de certa forma, ele teria observado o ciclo vital cumprido pelas mulheres, desde o nascimento até a velhice, incluindo o ápice dos rituais que despertavam a curiosidade dos viajantes e missionários da época, ou seja, o estereotipo da velha canibal e a antropofagia.


O nascimento de um tupinambá era um evento que contava com a participação de todas as mulheres da tribo. Caso houvesse o nascimento de um menino, o cordão umbilical seria cortado pelos próprios dentes do pai; caso fosse menina, a mãe é que daria os primeiros cuidados. Diferentemente da sociedade européia, durante o período de gestação as mulheres indígenas trabalhavam até o momento do parto, enquanto que, após o nascimento elas voltam às suas atividades normais, e os maridos cumprem um severo resguardo em suas tabas sendo consolado pelas índias, da dor e das penas sentidas na hora do parto. Após o nascimento, as índias entravam em um período de abstinência sexual que era recomendada pelos caraíbas – chefes religiosos – para garantir que as crianças se tornem fortes e valentes.

Os filhos eram amamentados por cerca de um ano e meio, e a mãe indígena para onde quer que fosse, levava a criança em sua typoia, ou seja, uma espécie de rede em que colocavam as crianças nas costas enquanto trabalhavam. Todavia, os relatos dos tratos indígenas para com suas crias nem sempre é amistoso, Léry teria observado uma mãe índia pertencente à tribo dos caetés, tribo esta famosa por não respeitar as relações de parentesco, ter enterrado viva uma criança por não agüentar ouvir o choro insistente da mesma. Isso tudo, sem contar os diversos relatos sobre as perversões sexuais cometidas pelos índios que através do olhar europeu, não parecia se preocupar com a unidade familiar.

A prostituição das filhas pelos pais, as relações incestuosas, a perda da virgindade prematura de ambos os sexos e as liberdades sexuais são características que muito impressionaram os cronistas desta época.


O adultério feminino causava grande perplexidade aos cronistas e aos índios. Um homem traído poderia repudiar a mulher faltosa, expulsa-la ou até mesmo mata-la pautando-se somente na lei natural. Todavia, as moças índias poderiam manter relações com rapazes e aventureiros europeus sem qualquer constrangimento. Como disse o cronista Thevet: “é muito raro que uma jovem se case virgem”e Jean de Léry completou que quando chegou ao Rio de Janeiro, soube de um caso de uma jovem índia que teria sido violentada por alguns normandos que tinham abusado de moças em várias aldeias, e nem por isso, deixaram elas de se casarem[7]. Porém, esses instintos sexuais muitas vezes eram coibidos após o casamento pelo marido ciumento que as vigiavam movidos pelo ciúmes.

Para Yves d´Evreux, nos ameríndios selvagens ainda encontravam-se vestígios da ordem natural e divina, e alertava aos missionários sobre as potencialidades de conversão do gentio baseando-se em sua interpretação caracterizada como Classes de Idades[8].


Basicamente as Classes de Idades demonstram que ao nascer do índio eles pouco se diferem independentemente do sexo, e desta forma, estão ambos mais próximos do estado de inocência promovida pela criação divina. No entanto, ao desenvolver da idade começam as diferenciações; as mulheres ai atingem entre 7 e 15 anos e começam a afastar-se da pureza devido as fantasias naturais surgidas com a idade. Posteriormente, entre os 15 e 25 anos, as mulheres já conhecem todas as atividades que deverão desempenhar dentro de sua tribo e iniciam-se nas práticas sexuais, que para frei Yves d´Evreux, representa a aceitação do convite feito pelo criador de todas as desgraças, ou seja, o Diabo.

A próxima etapa, para Yves d´Evreux representa o início da degeneração provocada pela idade. As mulheres nesta classe de idade possuem entre 25 e 40 anos e são conhecidas como kugnan – mulher em todo o vigor. Algumas mulheres conservam alguns traços da mocidade de outrora, no entanto, nesta fase inicia-se um processo caracterizado pela decadência física e degeneração moral. Essas mulheres quando eram jovens, viviam enfeitando-se, mantinham-se limpas e “assaz belas e bem formadas” como diria Caminha; porém, com o avançar da idade estas descuidavam-se da higiene e tornavam-se “feias e porcas” de acordo com os relatos dos cronistas da época.

A seguir, temos as classes de idade que mais chamam atenção dos cronistas, colonizadores e historiadores, ou seja, a das mulheres com idades maiores que 40 anos. Estas mulheres presidiam as cerimônias de fabricação do cauim e de todas as bebidas fermentadas utilizadas durante festas e cultos religiosos, conheciam as técnicas de assar o corpo do inimigo e guardar as gorduras da vítima para fazer mingau. As tripas humanas retiradas por essas velhas, eram misturadas com farinha e couve, e em seguida, cozidas numa grande panela de barro.

O comportamento dessa velhas não só para Yves d´Evreux, mas como também para outros cronistas, representa o maior nível de degradação física e degeneração moral que irão mostrar em seus corpos todos os sinais dos desregramentos e transgressões cometidas durante a mocidade. Este tipo de narrativa de Yves d´Evreux muito se assemelha ao Gênesis, sobretudo quando é comparada a conduta de Eva e o advento do Pecado Original. Adão obedecia aos preceitos divinos e não tocava no fruto proibido, porém, Eva não se conteve, comeu o fruto proibido e ainda ofereceu ao companheiro.

Desta forma, temos o surgir de um mito que parece indicar sobre a fragilidade e debilidade dos príncipios morais do sexo feminino, e que vão encontrar na figura ameríndia feminina o máximo expoente da decadência corporal e espiritual da humanidade. Por este motivo, ou seja, de constante desvio dos princípios proporcionados pelo avançar da idade, as anciãs estavam incumbidas da preparação do cauim, origem das bebedeiras e cerimônias “satânicas” que antecediam a ingestão de carnes humanas, ou seja, ao olhar do europeu o mais aterrorizador dos hábitos indígenas.


Viajantes e cronistas que estiveram no Brasil desempenharam um importante papel às índias nos rituais antropofágicos. José de Anchieta teria ficado atônito ao presenciar a morte de um prisioneiro onde velhas canibais se deliciavam com o sangue e gorduras desprendidos de um moquém: “e tal havia que colhia o sangue com as mãos e o lambia, espetáculo abominável, de maneira que tiveram uma boa carniça com que se fartar”[9]. Nos relatos sobre o cotidiano indígena, não há menção à morte de um inimigo levada a cabo por uma mulher, porém, há uma grande ênfase na apreciação das carnes humanas e no sacrifício das vítimas.


Ronald Raminelli em seu artigo “Eva Tupinambá” presente no livro de Mary Del Priore especialista em História das Mulheres, apresenta uma grande variedade de informações iconográficas produzidas durante e posteriormente à presença desses cronistas a respeito do papel das mulheres nos rituais antropofágicos. O frei Claude D´Abbeville em seus relatos[10], revela as mesmas imagens pictóricas similares às gravuras apresentadas por Theodor de Bry:
"Tudo bem cozido e assado, comem os bárbaros essa carne humana com incrível apetite. Os homens parecem esfomeados como lobos e as mulheres mais ainda. Quanto às velhas, se pudessem se embriagavam de carne humana, de bom grado o fariam".

Ainda melhor, para verificar o estado de decrepitude que se encontravam as velhas canibais é o relato feito por Antônio de Santa Maria Jabotão em pleno século XVIII onde descreve uma índia idosa em seu leito de morte que insistia em apreciar um prato exótico e animou-se ao lembrar: “Se eu tivera agora uma mãozinha de tapuia, de pouca idade, e tenrinha, e lhe chupara aqueles ossinhos, então me parece tomara algum alento”[11].

Estes foram os retratos mais comuns acerca da figura da mulher indígena que habitava as possessões portuguesas no Atlântico sul. Pecado, perversão, incestos, prostituição, imoralidade, canibalismo e feitiçarias eram as imagens que caracterizavam o imaginário da colonização no Brasil.

A intenção deste trabalho foi mostrar o quão misterioso parecia ser a figura das mulheres indígenas frente à mentalidade da época. Havia enormes diferenças que separava o Velho e o Novo Mundo no início da Época Moderna, diferenças essas em termos de religião, costumes, vida material, gentes etc; porém, podemos notar que a perspectiva do colonizador europeu que buscava combater os demônios do Novo Mundo, muitas vezes conflitava-se consigo mesmo. Haverá quem caracterize os indígenas através de uma conotação demoníaca, todavia, haverá também quem não os condene por viverem em absoluto estado natural.
Algumas lacunas parecem terem ficado vazias na história da nação brasileira, será que no Brasil antes da colonização portuguesa habitava o demônio estas terras? Ou será que os portugueses e europeus que trouxeram seus demônios para cá?


BIBLIOGRAFIA

Mary del Priore. História das Mulheres no Brasil in “Eva Tupinambá”: Ronald Raminelli. São Paulo: Contexto, 1997

Laura de Mello e Sousa. Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo : Companhia das Letras, 1987

Ronaldo Vainfas. Trópico dos Pecados: Moral, Sexualidade e Inquisição no Brasil.Rio de Janeiro: Campus, 1989

Sérgio Buarque de Holanda. Visão do Paraíso. São Paulo: Companhia Editora Nacional 2º ed, 1969

Luiz Felipe de Alencastro. O Trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000

Gabriel Soares de Sousa. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971

NOTAS

[1] Santo Missionário da Sociedade de Jesus que pregou na Índia e no Japão.

[2] Cardim, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. São Paulo, Itatiaia/USP, 1980, p 87-90
[3] Leite, Serafi(org). Novas cartas jesuíticas. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1940, p 73, 77

[4] Cidade, Hernani (org).. Padre Antônio Vieira(sermões). Lisboa, Agência Geral das Colônias, 1940, vol 2, p. 321. Souza, L. de M. e. op cit, p 49-71.

[5] Novas cartas jesuíticas, p. 232

[6] Gabriel Soares de Sousa. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: CNL, 1987. p.55, 63, 302. Pero de Magalhães Gandavo. Tratado da terra do Brasil e História da Província de Santa Cruz. São Paulo: Edusp, 1980. p. 54, 58, 122.

[7] Jean de Léry. Viagem a terra do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1980. p. 225

[8] Yves d´Evreux. Viagem ao norte do Brasil. Maranhão, 1874. p.146

[9] José de Anchieta. Cartas: informações, fragmentos e sermões. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1988. p. 266.

[10] Claude D´Abbeville. História da missão dos padres capuchinhos nna ilha do Maranhão. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1975, p 223.

[11] Laura de Mello e Sousa. Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo : Companhia das Letras, 1987; Antonio de Santa Maria Jabotão. Novo orbe seráfico brasílico ou Crônica dos padres menores da província do Brasil. [1º e., 1761]. Rio de Janeiro: Tip. Brasileira de Maximiniano Ribeiro, 1858. v.1, p. 13-14

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Gil Vicente e o Auto da Barca do Inferno: uma imagem das camadas sociais portuguesas no século XVI



A obra de Gil Vicente tem sido muitas vezes analisada através de leituras específicas e ou particularistas, não somente com o intuito de caracterizar a vida de certos meios da sociedade portuguesa do início do século XVI, mas também para ajudar a definir uma posição ideológica do autor.

Gil Vicente nasceu por volta de 1460-1470 e viveu durante um período de intensa centralização do poder real, época também da Expansão Marítima Portuguesa. A sua vasta produção literária estende-se de 1502 a 1536, abrangendo, assim, parte do reino de D.Manuel I e parte do reinado de D. João III. Suas obras, nos primeiros anos, são de caráter fundamentalmente religioso e representadas em momentos de maior reflexão e crença religiosa, como no Natal, Quaresma ou quando há uma procissão de Corpus Christi. Porém este não é todo o gérmen de sua produção literária e crítica. A partir de 1506, qualquer de suas peças, seja de caráter religioso ou de característica profana, por ocorrência das festas religiosas ou em exortação de acontecimentos importantes, como a chegada de uma armada na Índia, a partida de uma expedição para o Norte da África ou o nascimento de príncipes, qualquer uma dessas representações conterá com maior ou menor profundidade a essência da crítica de Gil Vicente, ou seja, a condenação moral ou social da sua sociedade portuguesa contemporânea.


Gil Vicente é um sujeito que nos surge constantemente ligado à Corte, à família real, representando um homem profundamente religioso e que vive numa época de grandes polêmicas e agitação de ordem espiritual, num país que vive em conflito interior com a questão judaica e cujo soberano combate pelo estabelecimento do tribunal do Santo Ofício da Inquisição. A intenção deste trabalho é analisar de forma sucinta e clara alguns dos níveis da crítica de Gil Vicente, ou seja, quanto ele pretende destruir e o que ambiciona recuperar do quadro de valores que rege a sociedade portuguesa de seu tempo. No entanto, nos focaremos especificamente no Auto da Barca do Inferno, publicado em 1517, que fora pela primeira vez encenado na câmara da rainha D. Maria de Castela, na presença do rei D. Manuel I e de sua irmã D. Leonor, a Rainha Velha.


O objetivo deste trabalho será analisar o perfil de alguns personagens que compõem a estrutura da sociedade lusitana do Antigo Regime e que são de maior importância como: o Fidalgo, o Onzeneiro, o Parvo, o Sapateiro, o Frade, o Judeu e os Quatro Cavaleiros de Cristo. Esses personagens, de maneira geral, representam elementos muito comuns da dinâmica social daquele tempo; e os personagens que não forem citados, não foram de maneira nenhuma ignorados, só não resolvi os colocar aqui pelo espaço que nos é limitado e porque, de uma forma ou de outra, os tipos sociais que eles caracterizam já estão representados nos outros personagens.


GIL VICENTE E O AUTO DA BARCA DO INFERNO: UMA IMAGEM DAS CAMADAS SOCIAIS PORTUGUESAS NO SÉCULO XVI.
Definido pelo próprio Gil Vicente como um “auto de moralidade”, o Auto da Barca do Inferno tem como cenário fixo duas embarcações, num porto imaginário para onde vão as almas no instante da morte. Cada barca possui um comandante - a do Paraíso, um Anjo; a do Inferno, um Diabo, que conta com um Companheiro. A ação da peça desenvolve-se a partir da chegada dos personagens, que um a um desfilarão por esse porto, procurando encontrar a passagem para a vida eterna. Serão julgados pelo que fizeram em vida. O Diabo e o Anjo acusam, mas só o Anjo pode absolver. Em seguida, são encaminhados a uma das barcas.


Toda a composição cênica presente na obra – rio, porto barcas, Anjo, Diabo – concretiza o espaço intermediário entre a vida terrena e a vida eterna, ou seja, representa uma “moldura simbólica” do auto que irá caracteriza-lo como um teatro de costumes e de religiosidade alegórica. Desta forma, temos em o Auto da Barca do Inferno um teatro poético, com versos redondilhos, rimas, símbolos, metáforas e agudezas. Os personagens desta obra caracterizam tipos sociais – nobreza, clero e o povo.


Antes de entrarmos especificamente na análise desses tipos sociais presentes na obra, vamos verificar algumas características sugeridas por Vitorino Magalhães Godinho em sua obra Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa, que, com certeza, irão estabelecer diretas relações com o modo proposto por Gil Vicente de ver a sociedade.


Na sociedade do Antigo Regime, podemos notar uma clara distinção em estados ou ordens – clero, nobreza e o braço popular. Trata-se de uma divisão jurídica por um lado e por outro uma divisão de valores e de comportamentos estereotipados. Cada qual, nesta sociedade, ocupa uma posição numa hierarquia rígida, se possuí ou não títulos, que lhes dão direito a certas formas de tratamento.

Existiam inúmeras leis em Portugal que versavam exclusivamente sobre a maneira que deviam ser usados os pronomes de tratamento ao dirigir-se a uma outra pessoa e sobre os modos de se vestir, segundo a sua origem e distinção social.

As pessoas desta sociedade se situam em categorias que se distinguem pelo nome, pela forma de tratamento, pelos trajes que lhes são permitidos usar e pelas penas que podem estar sujeitas. Vitorino Magalhães Godinho define a sociedade portuguesa do Antigo Regime através de duas divisões: a do Peão e a da pessoa de mor qualidade[1] e estes valores se farão presentes não só na obra de Gil Vicente, mas, também, na obra de diversos autores contemporâneos dele. Estará também assimilada pela mentalidade coletiva daquele tempo. Desrespeitar estes costumes na época caracterizaria crimes de contravenção que sujeitaria o “criminoso” ao degredo, pagamento de “fiança” ou a penas corporais, dependendo de sua posição. Perante toda a esta ordem social e jurídica, figuram certas disposições de origem rácica, ou seja, que trata de Mouros e Judeus que foram expulsos ou sujeitos a conversões forçadas durante o reinado de D. Manuel.


A primeira figura do Auto que iremos analisar será a do Fidalgo, prepotente que veste-se com apuro e vem acompanhado de um pajem que carrega uma cadeira de encosto alto. Os personagens, na maioria das vezes, trazem consigo referências do que foram quando vivos.

No caso do Fidalgo, a cadeira de encosto, o pajem e a rica indumentária formam um conjunto de símbolos indicador de sua alta posição social. Mas, nesse porto, a noção de hierarquia social desapareceu. Ali, o julgamento é moral. O Diabo, que é sempre o primeiro a receber as almas, convida Dom Anrique, o Fidalgo, a embarcar. Porém, ao saber o destino do batel, o nobre zomba do convite.

Mesmo depois da morte, o Fidalgo demonstra a arrogância prepotente típica da classe a que pertence. Além do mais, julga-se merecedor da recompensa divina, pois deixou na vida quem rezasse por ele. Embora típico o comportamento arrogante, o Fidalgo ainda apresenta certa humanidade; quando rejeitado pelo Anjo, se mostra arrependido por sua existência vazia: “folgava ser adorado; / confiei em meu estado / e nom vi que me perdia”.


Para com o Fidalgo, o Diabo mostrará uma falsa e irônica reverência, tratando-o por “vossa doçura” e dispondo-se sarcasticamente a desembarcá-lo na chegada ao cais, isto é, o inferno.

O Diabo escarnece-o, trata-o por tu, rebaixa-o até no seu orgulho próprio. E é em parte devido ao fato de ele ter sido um poderoso que mais agora é rebaixado, por se ter mostrado tirano do ponto de vista social e um enganado na sua vida particular[2]. A sentença deste personagem é a condenação da frivolidade, da soberba e da tirania.


A seguir, temos em cena o Onzeneiro ambicioso. É o agiota que traz consigo uma enorme bolsa vazia, em que guardava o dinheiro que roubava das pessoas quando vivo. O Diabo o cumprimenta esfuziante e o trata por “meu parente”. O Onzeneiro queixa-se por estar sem dinheiro e o Diabo lhe indica que deve entrar na barca infernal. Mas o agiota, ao saber do destino de sua embarcação, recusa-se a entrar, indo em direção ao batel da Glória. O Anjo o despede, acusando-o pelo exercício da usura: “Ó onzena, como és feia / e filha da maldição”. A sentença do Onzeneiro será a condenação da usura[3], da ganância e da avareza que no final se lamentará: “Oh triste! Quem me cegou!”.


Depois do triste lamentar do Onzeneiro, aparece a figura do Parvo, ou melhor, do ingênuo Joane, que ao chegar no cais é por instantes iludido pelo Diabo, que o quer embarcar. Porém, quando é informado do rumo do batel, Joane desata um grosso e engraçado xingamento ao Diabo, recheado de pragas e palavrões.

Abundam em sua linguagem imagens do tipo escatológico, que representa a forma como ocorreu seu falecimento – de “caga merdeira”, fruto das péssimas condições materiais deste estamento – e muitos xingamentos ao Diabo como “cornudo”, “beiçudo” e “neto de cagarrinhosa”.


Ao Anjo apresenta-se como não sendo ninguém, e é a sua simplicidade de espírito e irresponsabilidade que lhe permitirão a entrada na embarcação que os conduzirá ao Paraíso:

ANJO
Porque em todos teu fazeres,
Per malicia não erraste;
Tua simpreza tábaste
Pêra gozar dos prazeres.


Após o Parvo, figura o Sapateiro ladrão chamado João Antão que entra em cena carregado de pesadas formas, instrumentos de trabalho que o identificam. O Diabo o cumprimenta com muita ironia o chamando de “sancto sapateiro honrado” e que condena para o inferno, uma vez que, esteve presente a todas as cerimônias e ritos religiosos, porém, roubava nas praças desonestamente.



SAPATEIRO
Quantas missas eu ouvi, não me hão-de elas prestar?
DIABO
Ouvir missa, então roubar – é caminho para aqui.

A sentença do Sapateiro é a condenação da má fé no comércio e da hipocrisia religiosa.
Todavia, após a condenação do sapateiro, entra em cena a figura do Frade namorador, este personagem traz consigo a namorada Florença. Suas roupas são ambíguas. Além das vestes sacerdotais, o Frade apresenta-se com instrumentos próprios da prática de esgrima.

Além de mostrar-se hábil nesse esporte, ainda se revela conhecedor da arte da dança e do canto populares. O Diabo, muito alegre, recebe o casal com graça e convida-o a embarcar. O Frade espanta-se. Como ele, um religioso, poderá ser condenado? Sempre ao lado de sua namorada, o padre recorre ao Anjo. Mas este, num silêncio reprovador, nem sequer lhe esboça uma palavra. Muito apegado aos prazeres do mundo, o Frade demonstra em cena uma preocupação verdadeira com a namorada Florença. Essa postura mais humana o aproxima, como personagem, do Fidalgo. A sentença do Frade, neste caso, será a condenação do seu falso moralismo religioso.


O clero constitui o primeiro estado do Reino, possui uma organização própria, com sua hierarquia interna, goza de foro privativo, rege-se por suas próprias leis (direito canônico) e todo o resto da sociedade lhes é “subordinado[4]”.

Daí a importância, para Gil Vicente, de sinalizar a decadência da sociedade essencialmente baseada em valores cristãos, que está sendo corrompida em seus próprios alicerces.


A seguir temos a presença do Judeu, que chega ao batel infernal carregando um bode às costas. O bode é insígnia do judaísmo. O Diabo, que até então estava sedento de almas, atende com má vontade o Judeu. Este, por sua vez, ao conhecer o rumo da nau, quer embarcar. Mas é rejeitado pelo Diabo sob o pretexto de não aceitar o bode em sua barca. O Judeu tenta suborná-lo, pois não pode se separar do animal.

Pede, sem resultado, a intervenção do Fidalgo, com quem tinha negócios. O Diabo sugere ao Judeu a outra barca, mas o Parvo o impede de se aproximar do Anjo, recriminado-o por haver desrespeitado a religião católica. Por instantes, o personagem é condenado a vagar sem destino pelo cais das almas. No final, o Diabo permite que o Judeu e o bode sigam numa embarcação a reboque da sua.

A partir da leitura que fizemos da cena do Judeu[5] e da análise que fez Maria Leonor García da Cruz em seu Gil Vicente e a Sociedade Portuguesa de Quinhentos, podemos depreender alguns aspectos doutrinários da Igreja Católica em que Gil Vicente acredita e abre-se um grande leque de possibilidades numa análise específica no campo de uma história das mentalidades.

Esta é uma época de grande contestação antijudaica e em que o poder real tem um papel ativo na conversão forçada dos judeus portugueses, sob ameaça de expulsão em 1496 e sujeitos a reações violentas e sangrentas que persistirão durante todo o decorrer do século XVI. Até que ponto, na sua obra, Gil Vicente reflete ou emite uma opinião sobre a legitimidade dessa conversão compulsiva, tema que ao longo dos anos iria gerar discussão e controvérsia; como encara o cristão-novo ou judeu converso na construção das personagens que coloca em cena, que características atribui ao judeu nas suas peças, são questões que, motivam um esforço de resposta e contribuem para o enriquecimento desta problemática e compreensão do estabelecimento do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição em Portugal.


Por último, entram em cena os Quatro Cavaleiros de Cristo que trazem suas armas e uma cruz. Estes cavaleiros morreram combatendo os mouros durante as Cruzadas. Ao passar pelo batel dos danados, são interpelados pelo Diabo, que os requer: “Entrai cá! Que cousa é essa? / Eu não posso entender isto!” Ao que responde um Cavaleiro: “Quem morre por Jesus Cristo / não vai em tal barca como essa!”. Desta forma, os Quatro Cavaleiros são recebidos pelo Anjo em seu batel.


Numa sociedade cristã em expansão[6], em qualquer parte do mundo, o cristão combate o “muçulmano”, as guerras cada vez mais representam os meios para se alicerçarem empreendimentos políticos, econômicos e militares. No entanto, é necessário um forte aparelho político-ideológico para tal, e é na luta contra o infiel e através da evangelização que haverá, na ótica de Gil Vicente, uma justificação ética. A valentia dos feitos de guerra ganha em Gil Vicente um conteúdo especial.

Daí a condenação da fanfarronice e da covardia, tanto presentes nas falas do Frade como do Judeu, ‘tradicionalmente’ apelidado de covarde. O contraste que estas personagens representam em relação ao cavaleiro é, por isso, acentuado através de suas representações. Gil Vicente procura recuperar a imagem do cavaleiro que arrisca sua vida em feitos de guerra, combate para ganhar fama e glória, e morre para elevar o nome de Deus. Ora, onde poderia melhor um nobre português demonstrar a sua coragem e habilidade senão lutando contra os mouros no Norte da África?

A sentença dos Quatro Cavaleiros é a glorificação do ideal das Cruzadas e do espírito do Cristianismo puro.



Sendo assim, ou seja, com a salvação dos Quatro Cavaleiros, Gil Vicente encerra sua peça. A justiça e os seus negros servidores, a cobiça e a usura, a tirania dos nobres, a imoralidade de setores do clero são alguns dos elementos que Gil Vicente pretende apontar e que levam a sociedade do seu tempo à decadência. Porém, daqueles que foram salvos, o dramaturgo português tenta ressaltar a importância da humildade e simplicidade e enaltecer o espírito cavaleiro das Cruzadas. Espero que este trabalho tenha servido para uma breve ilustração dos tipos sociais existentes na sociedade portuguesa do século XVI.
BIBLIOGRAFIA
Gil Vicente. Auto da Barca do Inferno. Ed. Klick. São Paulo, 1997.

Vitorino Magalhães Godinho. Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa. Ed. Arcádia, Lisboa: 1971.

Charles R. Boxer – O Império Marítimo Português 1415-1825. Lisboa: 1992

Luiz Felipe Alencastro – O Trato dos Viventes. Cia das Letras, 2000

Eduardo d´Oliveira França - O Poder Real em Portugal e as origens do Absolutismo, FFLCH, 1946.

Maria Leonor Garcia da Cruz. Gil Vicente e a Sociedade Portuguesa de Quinhentos. Gradiva, Lisboa: 1990.

NOTAS

[1] Vitorino Magalhães Godinho. Estutura da Antiga Sociedade Portuguesa. Ed. Arcádia, Lisboa: 1971.

[2] Maria Leonor Garcia da Cruz. Gil Vicente e a Sociedade Portuguesa de Quinhentos. Gradiva, Lisboa: 1990. p. 126.


[3] Nesta época, os povos se queixam da ação dos usurários, pedindo ao rei que tire devassa “cada um ano sobre os onzeneiros porque eles são mui gram dano ao povo e destruição de suas almas e fazendas”, alegando, desta forma, a sua prática amoral e a exploração desenfreada a que submetem os bens alheios. Ver “Capítulos de Cortes e Leis que se sobre alguns deles fezeram “(BNL, Res. 65-A), caps XVII e XVIII in Maria Leonor Garcia da Cruz. Gil Vicente e a Sociedade Portuguesa de Quinhentos p. 121


[4] Vitorino Magalhães Godinho. Estutura da Antiga Sociedade Portuguesa. Ed. Arcádia, Lisboa: 1971. p. 85-88.


[5] A passagem do Judeu, de difícil interpretação, indica em principio a marca do preconceito religioso. Gil Vicente, ao longo de sua obra, mostrou-se dividido frente aos judeus. Ora os defende, ora os ataca. Sabe-se, contudo, que o dramaturgo português defendeu publicamente os cristãos-novos, num período de franca perseguição religiosa.

[6] Muitos privilégios e honras foram concedidos à Ordem de Cristo pela sociedade portuguesa em geral, a começar pelos eclesiásticos. Em 1455-6, a Ordem de Cristo obtivera jurisdição espiritual sobre as “terras, ilhas e lugares” até então descobertos ou a serem descobertos pelos portugueses.
Charles R. Boxer – O Império Marítimo Português 1415-1825. Lisboa: 1992. p.243