quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

O Outono do Patriarca de Gabriel García Márquez.

Gabriel García Márquez nasceu em 6 de novembro de 1928 em Arataca, cidade litorânea da Colômbia. Estudou direito, porém, logo se apaixonou pelo jornalismo, que o marcaria profundamente a optar pela carreira de escritor. Gabriel fora um militante apaixonado das esquerdas latino-americanas, viveu muitos anos fora de seu país, foi um dos grandes defensores do regime de Fidel Castro, fez severas críticas aos norte-americanos e quase chegou a realizar uma greve contra o ditador chileno Pinochet, ameaçando parar de escrever. Em 1982, Gabriel foi agraciado pelo Prêmio Nobel de Literatura quinze anos após de ter escrito seu maior sucesso “Cem Anos de Solidão”, que foi traduzido em 35 idiomas e estima-se ter vendido cerca de 30 milhões de exemplares.

A obra de Gabo, como é carinhosamente chamado por fãs e amigos, é geralmente caracterizada por uma América Latina estereotipada e, desta forma, são refletidas as mazelas da colonização através da recorrência usual do autor em usar como personagens latifundiários, ditadores e caudilhos. A sua preocupação estilística e social também era compartilhada por outros escritores, sendo assim, surge uma nova corrente literária intitulada Realismo Mágico; e seus maiores representantes foram escritores latino-americanos como os argentinos Júlio Cortazar e Jorge Luis Borges e o cubano Alejo Carpentier.

Em 1975, Gabo lança “O Outono do Patriarca” que narra a absurda história de um ditador tão solitário quanto autoritário. Tudo se passa em um país imaginário na região do Caribe, em um lugar praticamente isolado das relações com os outros países, onde governa um tirano que está no poder não se sabe há quanto tempo e nem se sabe exatamente como chegou ao poder. Grande parte da história se passa na residência do presidente, um lugar totalmente atípico do que se convenciona ser o centro de poder e mando de um país. Em meio aos gabinetes de ministérios e funcionários do Estado, encontram-se vacas andando por todos os lados, jogando suas excretas sobre papéis de importância burocrática; encontram-se uma infinidade de galinhas e passarinhos enjaulados. O Patriarca, cujo nome não é citado em nenhum momento do livro, tem uma idade indefinida entre 107 e 232 anos e devia ter chegado ao poder através de um golpe de Estado. Passados muitos anos de governo, o ditador tinha a dúvida de como a nação se comportaria caso ele morresse; sendo assim, resolveu usar o seu sósia Patrício Aragonés, dessa vez para simular a sua morte. O resultado é que em meio a poucas manifestações de carinho ao Patriarca, a população invade o palácio presidencial saqueando-o, o ditador vê “seu” corpo sendo arrastado pelo chão enquanto as multidões comemoravam a vinda da liberdade proporcionada pela morte do tirano.

Tendo tido a oportunidade de presenciar o que lhe aconteceria caso morresse, o ditador resolve por em ação o seu plano de vingança e junto aos poucos generais que ainda lhe eram leais dá início ao maior período da repressão vista naquele país: manda matar e torturar milhares de pessoas que desonraram a sua memória em atos de vandalismo. A figura deste ditador é trágica, ele prevê seus futuros atos de despotismo através da premonição de pitonisas e cartas de adivinhação; embora tenha poderes nunca antes vistos por um governante em seu país, ele vive em uma profunda solidão e depressão convivendo com uma hérnia em seus testículos que lhe causavam infindáveis dores para urinar e fazia com que sempre viesse a desmaiar e dormir na mesma posição. Uma espécie de síndrome do pânico assola a mente do ditador, antes de dormir deve fechar uma série de janelas, portas, cadeados e fechaduras com medo de que pudesse estar sendo vigiado por alguém; sustenta um amor sacramental pela sua mãe Bendicíon Alvarado que quando morre vira padroeira da nação e é beatificada trapaceiramente sob o pretexto de que depois de morta, seu corpo não teria entrado em processo de decomposição – prova de sua santidade –, além disso, o Patriarca rompe com a Igreja para sacramenta-la.

Além da solidão, o ditador sempre foi incapaz de amar alguém; e esta convicção da impossibilidade de se amar alguém irá engendrar no ditador uma amargura ontológica que irá se traduzir na própria empresa do ódio e irá culminar no exercício cego do poder pelo poder. “Aquele que manda” como foi várias vezes citado no livro, chegou a “achar” que amava alguém e este amor foi por Leticina Nazareno, com quem teve um filho chamado Emanuel, porém, o ditador torna-se alvo de seu próprio poder e é praticado um atentado que acaba com a vida de sua mulher e filho que foram devorados por cães especialmente treinados. No ímpeto de vingança, o “grande macho” dá início a uma outra onda de violência totalitária, realizando milhares de prisões e fuzilamentos na procura dos criminosos de Letícia e Emanuel. Algumas semanas depois, nem se lembrava mais de Leticina Nazareno e voltou a copular com suas concubinas como outrora.

O Patriarca está sempre a andar com uma bolinha de gude, uma espécie de amuleto que representa o símbolo do poder, como se pudesse segurar o planeta em suas mãos e tivesse pleno controle dele. O ditador é apaixonado pelo poder, porém, não sabe o que fazer com ele. Totalmente movido pela ambição, do qual, desafia as grandes potências da Europa, rompe com a Igreja para que não tenha seu poder submetido com ninguém senão com ele mesmo. O déspota parece se alimentar das pessoas que vivem ao seu redor, todos os seus colaboradores são manipulados e dispensados quando não eram mais úteis sem o menor constrangimento, ele era temido por todos, e as poucas pessoas do qual confiava era o general Rodrigo de Aguillar, somente pelo motivo de ter vencido o Patriarca em uma partida de dominó, ao passo que, todos os outros desafiantes perdiam o jogo com o medo de enfrentarem represálias.

Mesmo assim, o Patriarca parece temer a sua própria sombra, cede às suas forças armadas munições misturadas com areia de praia com medo de sofrer um levante militar, tenta enaltecer as grandezas de seu governo através dos mais diversos devaneios, mantendo paralíticos e leprosos nos jardins da mansão presidencial.

A figura da mansão presidencial é mais uma alegoria do completo caos que os regimes totalitários e ditatoriais, sobretudo na visão latino-americana, imergem nas sociedades através da coerção, manipulação e repressão. O próprio fato de o autor omitir o nome do país e o nome do governante impõe uma fácil associação com os regimes ditatoriais que se espalharam pela América Latina. Trata-se de um país subdesenvolvido, com sua base voltada na agricultura, uma grande massa de pessoas incultas e sob a influência das grandes potências.

Quanto às características formais do livro, somente há vírgulas e pontos finais, caracterizando a narrativa como se fosse descrita através de um sonho ou visão contada, do qual, não se pode definir muito bem quem está narrando ou quem está falando: estilo este típico do Realismo Mágico. Essa característica irá perfeitamente ao encontro da proposta do livro, uma vez que o destino trágico do ditador já estava previsto pela adivinhação da pitonisa, que foi assassinada por temer que o segredo de Estado de sua morte viesse a público. Embora o ditador tenha a sua idade indefinida, ele não era imortal e fatalmente o seu dia iria chegar, porém, não se sabe quando, somente se sabe que esses dias irão suceder-se como todos os outros: na absoluta solidão.

O alcance simbólico deste ditador é universal e Gabo teria escrito o livro e feito suas pesquisas na Espanha durante o período franquista, de onde provém grande parte de sua inspiração; todavia, o próprio autor também havia mencionado que este estilo de um General-presidente, “Dono da Nação”, fanfarrão, eloqüente e dotado de um estilo unipessoal de exercício do poder foi também inspirado em Juan Vicente Gómez (1857-1935), ditador venezuelano que governou o país de 1908 a 1935.

Resumindo através de uma abordagem temática o conteúdo do livro, ele basicamente versa em seu início sobre o perfil do ditador e o seu modus vivendi, depois coloca o ditador como o dono do poder e dono de todas as coisas e posteriormente caracteriza e relaciona a estrutura patrimonial do Estado. Por fim, a natureza edipiana do ditador, ou seja, como se escancaram as complexidades psicológicas do autor desde a sua gestação até o seu cotidiano como soberano da nação.

O Outono do Patriarca é uma alegoria das ditaduras latino-americanas e a grande contribuição que esta obra apresenta é justamente a construção de um arquétipo praticamente perfeito de um ditador do qual o poder gira em sua órbita. Vale lembrar que este modelo é altamente aplicável nos dias de hoje, basta analisar a postura política de Hugo Chávez que, sem sombra de dúvida, é um herdeiro da política de Juan Vicente Gómez e do caudilhismo.



2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Boa Noite,

Estou a ler o livro e efectuei uma pesquisa... Encontrei este ensaio que me parece bastante consistente e bem escrito. Obrigada pela partilha. Eli

Anônimo disse...

Achei os comentários sobre o livro bastante pertinentes, mas, com todo o respeito, o cenário e situações descritas no livro não se assemelham em nada ao governo de Hugo Chavez. Há de se ter cuidado.